segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Manual para ser criança


A partir dos 10 anos, a criança pode até perder o interesse pelo desenho e preferir outras atividades, alegando que não sabe mais desenhar. É a fase do bloqueio, ou o período de crise do desenho infantil, que divide opiniões sobre como proceder e qual a causa deste fato. Neste período é comum a criança apresentar hesitação, apagar várias vezes o desenho, pedir para usar réguas.

A orientação é importante nesta etapa em que a criança já não tem a espontaneidade dos anos anteriores e quer aprender a fazer um desenho detalhado e elaborado.


"O desenvolvimento intelectual e o físico são condições necessárias à evolução do traço, mas não suficientes, pois, na falta de oportunidades para desenhar e de orientações adequadas, o desenho fica estagnado ou estereotipado", diz Rosa Iavelberg, especialista em desenho e professora da Faculdade de Educação da USP.

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A percepção artística irá ajudar a se destacar em tudo que fizer na vida.

Tem um texto do Gabriel García Márquez que ilustra bem este período e que pode ajudar muitos pais neste decisão:

Manual para ser criança
Tradução livre Miguel Hachen

" Gostaria que estas reflexões fossem um manual para as crianças aprenderem a defender-se dos adultos na aprendizagem das artes e das letras. Não tenho uma base científica, senão emocional - ou em todo caso sentimental- e se fundamenta em uma premissa improvável: se colocarmos uma criança perante uma variedade de brinquedos, ela irá escolher aquele que mais goste; acredito que essa preferência não é casual, apenas revela que a criança tem uma vocação e uma aptidão que talvez possam passar inadvertidas para os pais (sempre ocupados) e para seus professores sempre cansados.

Aptidão e vocação se manifestam muito cedo e é importante identificá-las a tempo para que no futuro possamos ajudar a criança a escolher sua profissão. As crianças numa determinada idade e sob certas condições possuem faculdades congênitas que lhes permitem enxergar muito além da realidade admitida pelos adultos. Poderiam ser resíduos de algum poder divinatório que o gênero humano esgotou em etapas anteriores, ou - ainda - manifestações extraordinárias da intuição quase clarividente dos artistas durante a solidão do crescimento e que desaparecem - como a glândula do timo- quando já não são necessárias.

Acredito que se nasce com a vocação para escritor, pintor ou músico e em muitos casos com as condições físicas para a dança e o teatro, e com um talento propício para o jornalismo escrito entendido como um gênero literário e para o cinema entendido como uma síntese da ficção e da plástica. Neste sentido sou um platônico: aprender é recordar. Isto quer dizer que quando uma criança chega ao primeiro grau pode ir predisposto pela natureza para algum destes ofícios, mesmo que ainda não o saiba. E talvez não o saiba nunca.

Antônio Sarasate, aos quatro anos, tocou no seu violino de brinquedo uma nota que seu pai, um grande virtuoso, não conseguia dar com o seu. Sempre existe o risco de que os adultos destruam tais virtudes porque lhes parece primordiais e acabam por introduzir a seus filhos na mesma realidade fechada que aprenderam de seus próprios pais. O rigor de muitos pais com filhos artistas costuma ser idêntico ao utilizado pelas pessoas cujos filhos são homossexuais.

As aptidões a as vocações nem sempre vêem juntas. Daí o desastre de cantores com vozes sublimes que não chegam a lugar algum por falta de juízo, ou de pintores que sacrificam toda uma vida numa profissão errada, ou de escritores que não sabem contar uma história completa e em ordem.

As vantagens de não obedecer aos pais

Uma pesquisa tem demonstrado que na Colômbia não existem sistemas estabelecidos de captação precoce de aptidões e vocações como ponto de partida para uma carreira artística. Os pais não estão preparados para identifica-las no tempo certo. Geralmente contrariam a vontade dos filhos. Os pais menos drásticos propõem a seus filhos estudar uma carreira "segura" e, conservar a arte para entreter-se como hobby nas horas vagas. A sorte para a humanidade é que são poucas crianças que obedecem aos seus pais quanto ao seu futuro. É por isso algumas crianças que possuem alguma vocação assumem atitudes ardilosas para conseguir o que querem. Aqueles que não se dão bem na escola porque não gostam das matérias, não obstante, poderiam se sair muito bem se alguém lhes ensinassem aquilo que gostam. Também pode acontecer que obtenham boas notas, não porque gostem da escola, senão para que seus pais e professores não os obriguem a abandonar "aquele brinquedo preferido" que levam escondido no coração. Há também os casos de crianças que têm que sentar-se ao piano ou perante uma prancheta de desenho sem aptidão nem vocação alguma, apenas por imposição dos pais.

Um grande mestre de musica, escandalizado pela impiedade dos métodos utilizados, disse que o piano deveria ser deixado num canto da casa não para que as crianças estudem "na marra" senão para que "brinquem" com ele.

Nós, os pais, queremos que nossos filhos sempre sejam melhores que nós, impondo aulas de todo tipo, no intuito de começar uma estirpe de intelectuais. No extremo oposto, não faltam as crianças que seguem sua vocação sem conhecimento dos pais e, quando estes descobrem já são estrelas de uma orquestra ou autodidatas bem sucedidos.

Professores e alunos não aceitam os métodos acadêmicos tradicionais, porém não possuem um critério comum sobre como o aprendizado poderia ser melhor. A maioria recusa os métodos vigentes pela sua rigidez e falta de atenção à criatividade e preferem ser empíricos e independentes. Outros consideram que seu destino não dependeu tanto daquilo que aprenderam na escola como da "esperteza" com que driblaram os obstáculos de pais e professores. Em geral, a luta pela sobrevivência e a falta de estímulos tem forçado à maioria a aprender sozinhos.

Os critérios sobre a disciplina são divergentes. Alguns optam pela liberdade plena enquanto outros preferem o empirismo absoluto. Aqueles que falam da não disciplina reconhecem sua utilidade, porém acreditam que esta nasce espontânea como fruto de uma necessidade interna e, portanto, não há que força-la. Outros prescindem a formação humanista e os fundamentos teóricos da sua arte. Outros, ainda, afirmam que a teoria não é necessária. A maioria, após anos de esforços, se sublevam contra o desprestigio e as penúrias dos artistas numa sociedade que nega o caráter profissional das artes.

Não obstante, as opiniões mais duras da pesquisa estavam contra a escola, como um espaço público onde a pobreza de espírito corta as asas e é uma grande façanha aprender qualquer coisa, em especial as artes. Pensam que houve uma enorme perda de talentos devido à repetição infinita de dogmas acadêmicos, enquanto que os mais dotados apenas puderam ser grandes criadores quando não tiveram que voltar às aulas. "Educa-se de costas para a arte", repetem professores e alunos. Estes gostam de sentir que se fizeram sozinhos. Os professores ficam ressentidos, porém admitem que ele diriam o mesmo. Talvez o certo seria dizer que todos tem razão. Pois tanto os professores quanto os alunos e, em último caso, a sociedade toda, são vítimas do sistema de ensino que está longe da realidade do país.

Não é o mesmo o ensino artístico que a educação artística. Esta é uma função social e, assim como se ensinam as matemáticas e as ciências, deve ser ensinado desde o primeiro grau o apreço e o gosto pelas artes e as letras. Por outro lado, o ensino artístico é uma carreira especializada para estudantes com aptidões e vocações específicas, cujo objetivo é formar artistas e professores como profissionais da arte.

Não devemos esperar que as vocações cheguem: temos que sair a procurá-las. Estão em todas e qualquer parte, mais puras quanto mais esquecidas. São elas as que sustentam a vida eterna da música nas garagens, a pintura rebelde dos grafites, a poesia dos botecos, o torrente infindável da cultura popular que são o pai e a mãe de todas as artes.

Proponho não apenas uma mudança de forma nas escolas de arte, gostaria que a educação artística seja planificada dentro de um sistema autônomo, que dependa de um organismo próprio da cultura e não de ministério da educação. Que não esteja centralizado, pelo contrário, que seja o coordenador do desenvolvimento cultural desde as distintas regiões do país, pois cada uma delas têm sua personalidade cultural, sua história, suas tradições, sua linguagem, em fim, suas expressões artísticas próprias. Que comece por educar a os pais e professores na apreciação precoce das inclinações das crianças e os prepare para uma escola que preserve sua curiosidade e sua criatividade natural.

De todos modos, pela arte das artes, aqueles que hão de ser já o são, mesmo que jamais cheguem a sabe-lo.

Que a vida decida quem serve e quem não serve, como de todos os modos ocorre."

* Gabriel García Márquez - reconhecido escritor colombiano, prêmio Nobel de literatura, autor - dentre outras obras - de "Cem anos de solidão"